terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Um simples relato

Um simples relato


            Bem, por onde posso começar? Acho que vou ser clichê e contar a vocês em ordem cronológica os fatos que se sucederam comigo.
            Meu nome? Isso não é importante, os acontecimentos é que são importantes. Basta a vocês saberem que sou um homem na casa dos trinta anos, bem de vida e com vários amigos. Ah, e claro que apesar de não ser nenhum Tom Cruise, tenho meu charme. Vamos aos fatos.
            Se bem me lembro, eu estava em meu apartamento cozinhando macarrão para comer com molho de tomate e carne moída naquela noite. Tinha comprado um vinho tinto e moído a carne na hora. Coloquei o macarrão na panela para cozinhar quando meu celular tocou, era uma amiga um tanto quanto intima, se é que vocês me entendem.
- Oi meu amor! – falei assim que atendi.
- Oi! Preciso de sua ajuda! – a voz dela passava uma certa aflição. – Posso ir ai agora?
            Eu estranhei a pergunta, pois ela simplesmente chegava sem avisar sempre que queria curtir uma boa noite a dois comigo.
- Claro que pode, minha flor. – eu parei por alguns segundos – Mas, o que foi que aconteceu?
- Quando chegar ai eu te conto. Querido, acho que estou muito encrencada.
- Calma! Venha logo pra cá.
            Ela se despediu e desligou o telefone. E eu fiquei com uma curiosidade enorme. O que minha amante casual tinha feito, será que tinha matado alguém? Se envolvido com algum homem casado e a esposa traída estava em busca de vingança? As piores hipóteses passavam por minha mente, mas, nenhuma delas chegaria perto do que realmente estava acontecendo.
            Quando a comida já estava pronta e o vinho já aberto. A campainha tocou, abri a porta e tomei um susto ao vê-la com cabelos desgrenhados, maquiagem borrada e olhos vermelhos.
            Assim que me viu, jogou-se em meus braços aos prantos e soluçando.
- Eu tô morta, eu tô morta...
            A coloquei para dentro e fechei a porta do apartamento a fim de evitar vizinhos curiosos. Sentei-a no sofá e fui buscar uma taça de vinho para ela que tomou tudo de um só gole.
- Agora se acalme e me conte o que está acontecendo. – falei com uma calma anormal.
- É culpa disso aqui, tudo é culpa disso aqui! – ela gritou jogando um medalhão antigo no chão.
            Abaixe-me e peguei a peça que era de prata antiga e tinha a imagem em alto relevo de dois dragões se enroscando, formando um círculo enquanto um devorava a cauda do outro.
- Isto aqui é a causa de seus problemas?! – olhei indignado para ela – Você roubou isso de quem?!
            Ela me olhou sem entender direito a pergunta que tinha sido feita. Me ajoelhei diante dela e refiz a pergunta bem calmo.
- Eu não roubei de ninguém! – ela respondeu entre lágrimas – Minha tinha morreu, e em seu testamento ela me deixou isso. Ela devia me odiar muito!
- Por quê? É uma jóia linda!
- Você tem que acreditar em mim, no que vou te contar!
- Claro meu amor. – disse complacente - Agora conte tudo.
            Ela respirou fundo e enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto.
- Quando recebi isso. – ela apontou para o medalhão em minhas mãos – Achei lindo, mas, em menos de três dias minha virou um inferno. Passei a ouvir passos e risos dentro de casa e na rua via vultos de coisas horríveis.
            Ela parou e me pediu mais vinho. Eu trouxe a garrafa inteira para ela, que tomou logo um gole farto.
- Eu pensava que era só impressão minha, mas, hoje apareceram essas inscrições. – ela pegou o medalhão e mostrou-me a parte de trás. Lá estava inscrito de forma clara e legível.
“ Os pecados do sangue serão pagos com sangue.”
- Que pecados são esses? – perguntei curioso e com um certo receio.
- Não sei! – ela tinha voltado a chorar .
            Eu a abracei com carinho e beijei seus lábios para acalmá-la. Ela retribuiu o beijo e me afastou com delicadeza.
- Depois que a inscrição apareceu, eu tive certeza que não era impressão minha. Os vultos que eu via na rua estavam atrás de mim.  – ela tomou outro gole – Quando me olhei no espelho hoje, vi que por trás de mim havia um velho com olhos e boca costurados tentando me abraçar.
            Enquanto ela falava lágrimas escorriam pelo seu rosto e de repente ela gritou assustada apontando para trás de mim. Virei-me rapidamente e mesmo que alguns instantes, pude ver uma criança nua, sem sexo definido com olhos e boca costurados. Minha amiga agarrou-se ao meu pescoço soluçando.
- Não deixa eles me machucarem, não deixa!
            Eu não sabia o que dizer. Segurei-a pelo braço e corremos para a porta. Ao tentar girar a maçaneta percebi que estava trancada e não importava a força que colocasse, não abria.
            Os risos começaram, primeiro infantis, inocentes, depois de velhas risonhas e maldosas. Minha amante sentou no chão encostada na porta e gritava por socorro. Pelos cantos da sala e pelo corredor eu via vultos disformes correndo de um lado para o outro.
            Os risos aumentaram e com os eles vieram também vozes de mulheres que diziam repetidamente os dizeres do medalhão:
“ Os pecados do sangue serão pagos com sangue.”
“ Os pecados do sangue serão pagos com sangue.”
“ Os pecados do sangue serão pagos com sangue.”
“ Os pecados do sangue serão pagos com sangue.”
- Que pecados são esses?! – gritei com raiva – Quem pecou?!
            Várias crianças assexuadas e com a face costurada apareceram diante de mim, elas riam e minha amiga gritava. Eu sentia vontade de chorar, mas, não conseguia. Eu sentia vontade de correr, mas, não conseguia.
            Olhei a minha volta e vi que as paredes de meu apartamento estavam cobertas por uma membrana pulsante e ensangüentada, eu vomitei, minha amiga gritou alucinadamente. A levantei do chão puxando-a com força e corremos pelos corredores em direção ao quarto. Meu coração quase parou quando olhei pela janela e em vez de ver os prédios da cidade vi corpos mutilados e retorcidos tentando entrar.
            Senti braços magros e fortes abraçando-me, me deixando imobilizado. Nós dois gritávamos, enquanto eu assistia me debatendo em vão, às crianças nefastas se aproximarem de minha amiga que estava deitada em posição fetal no chão chorando e soluçando compulsivamente. Os braços me apertavam com força, expulsando o ar de meus pulmões. As crianças estavam sobre ela, rindo. O mundo a minha volta ficou escuro.
            Quando acordei, raios de sol entravam pela janela do quarto e fustigavam meus olhos. As paredes estavam normais, o mundo lá fora também, minhas costelas intactas. Procurei por minha amiga por todo o apartamento e nada. Liguei para nossos amigos em comum, ninguém a tinha visto.
            Já estava achando que tinha sido um sonho, quando vi no chão da sala o medalhão com os dragões em alto relevo. Mas, agora não estavam devorando a cauda um do outro, e sim face a face. Com ele em mãos tive certeza que não tinha sido um sonho.
            E sejam lá quais eram os pecados cobrados.
            Eles foram pagos.

4 comentários:

  1. Desse eu gostei Ângelo... Mas ainda acho que tua área é mais medieval!! Abração!!

    ResponderExcluir
  2. Oi, adorei!!!! bjs.

    ResponderExcluir
  3. Você sabe criar e contar uma história. Eu já tava com medo!

    ResponderExcluir
  4. muito massa.. ameii.. porém fiquei bastante assustada e na hora a porta de meu apt. bateu e eu dei um grito.. nossa..
    GOSTEI.. bjos

    ResponderExcluir